Solid Gold: a história do carismático herdeiro de Indiana Jones (ou de pelo menos um dos)

Por Gustavo Hitzschky

Muito tempo depois das primeiras peripécias de Indiana Jones e Lara Croft, outra figura querida que tem sempre estampado um sorriso franco e espontâneo no rosto abrilhantou as telas do querido Amiga, computador desenvolvido pela Commodore que teve várias versões entre meados da década de 1980 e 1990. Em 2013, Solid Gold foi lançado pela Night Owl Design, encabeçada pelos irmãos alemães Gerrit, responsável pelos gráficos e trilha sonora, e Frank Wille, a cargo da programação.

O herói John Kayle recebe uma carta de seu antigo mentor, Lord Joffrey Montgomery, convidando-o a sua mansão no sul de Londres para conversar sobre um artefato que data do tempo dos maias. Ao chegar à propriedade do mestre, John o encontra à beira da morte, vítima de um atentado, e descobre que há pessoas em sua casa à procura do tal item. Entrando por uma passagem secreta, John deve tomar posse do objeto antes dos capangas. A partir daí, viajamos por dez fases, divididas entre quatro mundos (Londres, Guatemala/México, Egito e Babilônia), a fim de descobrir o grande mistério por trás do artefato.

Talvez a caracterização da personagem possa remeter o leitor a um outro jogo de Amiga, com temática e ambientação similares, lançado em 1989: trata-se de Rick Dangerous, que também teve versões para uma série de computadores daquela época. Porém, e para a minha surpresa, Gerrit, que ao lado do irmão me atendeu prontamente em entrevista por e-mail, afirma que tudo não passa de uma coincidência.

“Por mais estranho que pareça, nunca pensei em Rick Dangerous enquanto desenvolvia Solid Gold. Só me dei conta muito tempo depois. Mas eu era um grande fã de Indiana Jones nos anos 1980”. “Eu raramente penso muito sobre game design, além de dizer ao Gerrit o que não pode ser feito”, completa Frank.

Mas estou me adiantando na cronologia, uma vez que os dois já haviam tentado desenvolver jogos no período em que o Amiga ainda circulava nas prateleiras (e a esse respeito, não deixe de conferir o site da Night Owl Design para mais detalhes). Entre 1987 e 1994, não faltaram ideias e até mesmo algum grau de execução na confecção de jogos, quando a dupla ainda experimentava e buscava entender o funcionamento do Amiga. Perguntei a eles se em algum momento aqueles esboços veriam a luz do dia.

“Certamente, não. Nós (assim espero) aprendemos um pouco através dos anos e nossas habilidades melhoraram. Os códigos desses primeiros jogos, embora em muitos casos ainda existam, estão muito ruins, cheios de hacks e péssimas práticas de programação”, explica Frank. “Muitos desses jogos velhos não têm um visual tão legal sob as perspectivas de hoje”, relembra Gerrit.

Tendo crescido com um computador Commodore 64, Frank e Gerrit sempre quiseram criar algo por eles próprios, como conta Gerrit. A exemplo do que acontece com alguns jogos indie atuais, era possível desenvolver um game sozinho, e isso atiçou a curiosidade dos garotos. Frank teve contato com os primeiros videogames do final da década de 1970, e se lembra de perguntar ao pai o que deveria fazer para entrar naquele universo. Como resposta lhe foi dito que deveria estudar programação.

No entanto, sem conseguir finalizar os primeiros projetos, com o fim da vida escolar e o início da vida adulta, os irmãos deixaram a criação de jogos completamente de lado. Mas para a nossa sorte, algo nos rincões mais profundos da memória deve ter sido despertado sobretudo em Frank. “Foi mais ou menos coincidência quando o Frank me perguntou no final de 2011 se eu queria fazer um jogo de Amiga. No começo pareceu estranho, mas achei uma ótima ideia voltar a ser criativo depois de tanto tempo”, diz Gerrit.

E eis que chegamos a Solid Gold. Dois aspectos que me chamam a atenção de cara são os sprites, sobretudo dos personagens e inimigos, absolutamente bonitinhos e fofos, e a trilha sonora, cujos timbres me fizeram lembrar de outro game difícil do Amiga (e talvez o adjetivo seja uma redundância) chamado Sword. E confesso que me surpreendi com o que disse Gerrit com relação aos gráficos e à música, ambos de sua autoria.

“Posso afirmar que de minha parte não sou nem um artista gráfico, nem um músico. Quando se vê o que vai ser lançado nos dias atuais, você fica bem intimidado. Tudo era novo para mim, eu não sabia também como fazer as animações. Tentei fazer numa folha de papel quadrada no começo. Foi por isso que decidi criar um herói fofo — porque eu não conseguia fazer gráficos realistas. Com a música foi parecido: só me restavam alguns instrumentos dos dias do Amiga. E no começo não fazia ideia de como proceder com relação à música”. Dá pra dizer, no mínimo, que Gerrit se virou muito bem, no fim das contas.

Ao longo das fases, que apresentam ambientes variados com diversas paletas de cores, temos que encontrar o artefato que nos dá a pista para o próximo destino a ser explorado. Dá pra coletar moedas de ouro, além de esmeraldas, diamantes e rubis (ao pegar 50 destes três últimos ganha-se uma vida extra). Conta também para as estatísticas dos estágios o fato de termos matado todos os inimigos e localizado as vidas (uma ou duas por level). Os inimigos, numa lista que vai de ratos a escorpiões (não tente matá-los!), passando por múmias a capangas que parecem ter saído dos filmes Blues Brothers, se deslocam em velocidades variadas, e não será difícil perder vida atrás de vida por um erro de timing nos saltos (somente desse modo é que os adversários são eliminados).

Não bastasse isso, as fases estão cheias de caminhos secretos, mascarados por blocos de pedra que podem ser quebrados assim que há a colisão entre o jogador e eles. Quando terminei Solid Gold, obtive 100% de itens apenas em três fases, mas fiquei menos desapontado ao saber que nem Frank nem Gerrit jamais conseguiram realizar tal feito.

“Mesmo quando eu o testava, às vezes esquecia onde tinha escondido tudo. Então 100% é muito difícil”, confessa Gerrit, endossado pelo irmão. “É, é duro. Acho que eu nunca consegui jogar o game do começo ao fim, muito menos completar as fases em 100%”.

Portanto não se sinta sozinho se Solid Gold for difícil demais pra você, já que estará em boa companhia. Svea Wille, filha de Gerrit e que à época do lançamento tinha sete anos, se divertia muito com as aventuras de John Kayle, porém o nível de dificuldade era alto demais para ela. Então pai e filha tiveram uma ideia genial, e desenvolveram Little Princess, que inclusive teve uma sequência. O jogo tem a mesma levada de Solid Gold, porém é mais acessível. “Em algum momento ela disse que queria fazer o próprio jogo. Ela se sentou diante do programa de gráficos e desenhou algumas ideias. Alguns dos gráficos dela foram incluídos no jogo. Era só um projeto interno e não deveria ter sido publicado. Mas quando fizemos o site [da Night Owl design], colocamos na parte de Extras. Porém agora a Svea cresceu e só joga no celular. Aos sete anos ela ainda ficava fascinada, mas ao contrário de nós, ela não tem como desenvolver nenhum sentimento retro pelo Amiga e enxerga só um computador velho e estranho”, conclui Gerrit com um emote de sorriso.

Evidentemente, por ter sido o primeiro game desenvolvido do início ao fim pela dupla, há algumas coisas que os irmãos gostariam de mudar. “Pela perspectiva do programador”, começa Frank, “é claro que aprendi algo novo e que gostaria de ter feito melhor. Já melhorei a técnica de scrolling em Trap Runner [outro game de plataforma desenvolvido por eles e lançado para o Amiga em 2018]. Algo que é muito ruim em Solid Gold, e portanto ainda me lembro, é que o jogo pode se tornar mais lento em algum ponto caso você não mate os inimigos e os deixe fugir. Isso foi muito estúpido”.

“Hoje eu trabalharia mais na jogabilidade”, revela Gerrit. “Partes das fases do México e do Egito são grandes e longas demais. Acho que quis usar as dimensões do mapa de modo completo”.

Infelizmente, Gerrit e Frank, no momento, não estão desenvolvendo nenhum jogo, seja através da Night Owl Design, seja por meio da Retroguru, equipe internacional de artistas que lança games para diversas plataformas e da qual os irmãos também já participaram. Será que John Kayle não terá mais mistérios para desvendar?

“Nunca diga nunca. Mas eu provavelmente ia querer tentar criar uma história com gráficos mais realistas hoje. Na verdade, existiu alguma coisa da parte gráfica para uma sequência — mas gráficos mais realistas teriam alterado completamente o estilo da primeira parte, então descartei a ideia”. Embora não seja muito fã de continuações, o irmão Frank também atiça nossa esperança. “Se o Gerrit criar um cenário legal para John Kayle, que tenha uma jogabilidade interessante porém factível, então por que não?”. É, por que não? Estaremos no aguardo!

Solid Gold está disponível para download gratuito no site da Night Owl Design (formato ADF).

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