Por Alexei Barros
Há muitos anos o Canadá se tornou um dos principais polos de desenvolvimento de jogos, mais especificamente Montreal, que abriga mais de 125 estúdios. Para celebrar os 375 anos da cidade e essa fartura de produções canadenses, o compositor Maxime Goulet (Dungeon Hunter IV, Warhammer 40,000: Eternal Crusade) produziu o Montreal Video Game Symphony, concerto realizado no dia 29 de setembro de 2017 no Place des Arts. Como o nome diz, um espetáculo apenas com jogos feitos em Montreal: desde jogos AAA como Assassin’s Creed, Mass Effect: Andromeda e Dragon Age: Inquisition, até jogos indie como FEZ, Outlast 2 e Papo & Yo, além de outros extremamente obscuros. Confira o programa completo aqui.
Assim que soube da apresentação, fiquei na curiosidade para ouvir o segmento do Deus Ex. Não encontrei nenhuma gravação amadora, mas daí soube que no dia 12 de dezembro o vídeo do espetáculo ficou disponível na íntegra no Twitch e no YouTube por 24 horas… Isso depois da data. Com a “sorte” que eu tenho para esse tipo de coisa, achei que perderia essa oportunidade única, mas depois alguns segmentos foram compartilhados no Facebook e no YouTube até que hoje, finalmente, foi publicado o número do Deus Ex no próprio canal da Eidos Montreal, atual desenvolvedora da série. E por que tanta expectativa?
Deus Ex: Human Revolution (2011) e depois Deus Ex: Mankind Divided (2016) realmente me conquistaram com duas jornadas memoráveis do protagonista Adam Jensen. Ambos mesclam FPS, RPG, exploração, furtividade, suspense, ação, intrigas, conspirações, enfim, gêneros, estilos e mecânicas que estão entre os elementos que mais me cativam em um jogo. A trilha sonora evidentemente entra nesse pacote com uma mistura entre o sinfônico e o eletrônico que confere uma atmosfera perfeita para a experiência. O canadense Michael McCann é o principal responsável pelas músicas – ele também compôs para Splinter Cell: Double Agent e XCOM: Enemy Unknown –, assinando a trilha inteira de Deus Ex: Human Revolution. No Mankind Divided ele teve uma participação menor, já que a maioria das faixas é de Sascha Dikiciyan – Ed Harrison completa o trio de compositores da sequência.
Fora a trilha original, dá para dizer que Deus Ex foi tocado praticamente pela primeira vez por uma orquestra nesta ocasião. A “Icarus Main Theme” (Deus Ex: Human Revolution) está naquele álbum The Greatest Video Game Music 2 (que comentei aqui, mas na época ainda não tinha jogado e não falei desse arranjo). É muito redundante fazer uma versão tão parecida com a original dessa forma, ainda que tenha os seus momentos (as cordas mais orgânicas da London Philharmonic Orchestra, a guitarra e o solo da soprano Sarah Covey). Vale lembrar que antes deste concerto, Deus Ex: Human Revolution apareceu no espetáculo L’Odyssée musicale du jeu vidéo, em abril de 2017, porém tenho minhas dúvidas se essa apresentação aconteceu mesmo, levando em conta a inexistência de reportagens ou qualquer tipo de registro sobre o evento. Nem no Japão há concertos tão secretos.
Minha maior dúvida era saber como eles iriam reproduzir os elementos eletrônicos das músicas. Uma das saídas seria usar playback (como o Video Games Live faz no número de Metal Gear Solid), utilizar um teclado (como o saudoso espetáculo holandês Games in Concert provavelmente faria) ou realizar uma performance 100% sinfônica – o que foi o caso aqui. Sob a regência da maestrina Dina Gilbert, a Orchestre Métropolitain, que contabiliza 60 pessoas, foi acompanhada pelo gigantesco Chœur Métropolitain, com 120 vozes. O programa credita Benoît Groulx como o arranjador principal, então imagino que esta partitura tenha sido feita por ele.
A maior diferença da “Icarus – Main Theme” para a versão original é que não há aquele solo etéreo feminino que permeia praticamente toda a música. O coral é quem canta no lugar, aumentando a grandiosidade da peça. Mas o que eu achei mais interessante foi justamente a forma com que a parte eletrônica do começo foi reproduzida, misturando os timbres de piano, harpa e marimba (tenho quase certeza que é uma marimba) e depois os mesmos instrumentos tocando o trecho eletrônico final. Além da presença das cordas, os metais conferiram um impacto essencial.
O público afoito para aplaudir e a ausência de transição prejudicaram um pouco a performance, que continuou com a “Embrace What You Have Become” – é a música do trailer de revelação do Deus Ex: Mankind Divided lá em abril de 2015. Dessa vez sem a participação do coral, que se sentou ao fim da música anterior, a orquestra toca o tema cinematográfico com toda a sua urgência, respeitando as pausas e mudanças de motivos na original. Porém, penso ser um tanto questionável a escolha da música de um trailer em detrimento de uma faixa que realmente toque com frequência no jogo, como a “Sewers” ou a “TF29”. A atmosférica “Detroit City Ambient (Part 1)” do Deus Ex: Human Revolution então seria um sonho.
Não acredito que o medley vai estimular pessoas que não conhecem a série a se interessar pelas músicas de Michael McCann, mas é uma performance respeitável e honesta, especialmente pela primeira parte do medley correspondente ao Deus Ex: Human Revolution.
“Deus Ex Medley”
“Icarus – Main Theme” (Deus Ex: Human Revolution) ~ “Embrace What You Have Become” (Deus Ex: Mankind Divided)
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