Arquivo para março \17\-03:00 2021

Concluse mostra a força do indie 3D

Por Gustavo Hitzschky

Monochromatic PS1-inspired title Concluse gets release date - Rely on HorrorA gente se acostumou a jogar games indie cujo estilo gráfico tem como base a pixel art. Além da evidente vantagem no que diz respeito à simplicidade do desenho em si, quando comparado ao 3D, a pixel art é atemporal, enquanto que, por vezes, as três dimensões parecem envelhecer mal no coração e nas mentes dos jogadores.

Mas Jon Martin parece não estar preocupado com isso. O criador de Concluse, que comanda o Studio Snowspot, resolveu abraçar os primórdios do 3D de meados dos anos 1990. Contrapondo-se ao fotorrealismo cada vez mais presente em títulos AAA, Jon enveredou pelo caminho da modéstia das texturas, da pouca visibilidade na profundidade, dos gráficos granulados e das superfícies planas e meio toscas. Como aponta Paul Walker-Emig na edição 217 da revista Retro Gamer, tudo isso evoca uma sensação de surreal, provocando desconforto nas pessoas. Já que Concluse é um jogo de terror, o estilo gráfico adotado não poderia ser mais apropriado.

“Além da nostalgia, acho que os gráficos pouco polidos e em baixa resolução são tão populares porque é mais fácil para quem está começando. Você tem que aprender isso antes de pode criar jogos em alta resolução, e fazer um game no estilo do PS1 permite a você fazer gráficos em resolução baixa sem ver isso como algo negativo”, explica Jon em entrevista realizada via Twitter.

As musas de Concluse são aquelas que poderíamos imaginar, sobretudo em se tratando de um game que remonta àquilo que vimos no PS: Silent Hill e Resident Evil estão presentes não somente no enredo em si como também nos puzzles que encontramos pelo caminho e até por certos itens — por exemplo, o protagonista encontra algumas ervas que, se coletadas em sua totalidade e entregues a um certo personagem, garantem um final secreto (mas nem adianta tentar combiná-las). “Na época [da criação do jogo, lançado em 2018] eu também estava fortemente influenciado por King’s Field”, complementa Jon.

Em Concluse controlamos Michael, cuja esposa Carolyn desapareceu há três anos sem deixar vestígios. Depois de um telefonema, um desconhecido lhe disse que Carolyn está bem e vivendo numa cidade chamada Hell, na Nova Inglaterra. A ação começa dentro de um metrô na cidade vizinha de Cordova.

A perspectiva em primeira pessoa de fato remete a King’s Field, citado anteriormente por Jon como uma das referências. A esposa desaparecida (Silent Hill 2 e Resident Evil VII me vêm à memória) e os locais visitados, entre eles um hospital, esgotos e um parque, pagam tributo às franquias da Konami e da Capcom, mas Concluse tem força suficiente para se destacar e desapegar a sua imagem das séries de sucesso. Os acontecimentos são entremeados por sequências em FMV, algo que Jon gostou muito de criar para contribuir com o clima de ar pesado. Sabe-se mais da trama e o do que acontece no lugar por meio de documentos que vamos encontrando na jornada.

Enquanto se desloca pela cidade de Cordova, Michael interage com os ambientes na medida em que coleta itens como chaves e moedas, e resolve puzzles, além de ser constantemente espiado por uma figura que lembra uma mulher de cabelos longos e morenos. A tensão se mantém constante, embora não haja elementos de combate — bem… deixa pra lá. Basta dizer que não temos acesso a nenhum tipo de armas. Tive uma certa claustrofobia devido à paleta de cores simples, basicamente preto e branco e variações entre uma e outra, e à parte sonora: o tempo todo escutam-se os passos do protagonista, e mesmo em espaços abertos se tem a sensação de estar preso, enjaulado e espreitado.

Aliás, o som também merece destaque na dublagem — que, se não é abundante, não deixa de ser marcante. É possível, por meio de telefones públicos, ligar para a própria casa, para Carolyn ou para a mãe do protagonista (a primeira ligação que fiz foi para esta última, confesso). A voz das personagens sublinham a angústia e o desespero provocados pela situação, que por si já é dramática: você está sozinho em um local totalmente desconhecido procurando a esposa que não vê há três anos. Evidentemente Carolyn não atende o telefone. Ou será que atende? E tem alguém na casa de Michael?

Dá para escolher diferentes resoluções no jogo e também jogar a 60 frames, o que definitivamente não recomendo. A precariedade proposital visual de Concluse é traduzida em vultos que parecem se deslocar a distância — quando na verdade são, por exemplo, árvores. Enfim, tudo aquilo que escrevi no começo no que tange aos gráficos, sobretudo a simplicidade das texturas, que vão se modificando e parecem pular para se ajustar aos ângulos da câmera, e a falta de profundidade somado ao ruído dos passos contribuem para fazer de Concluse uma joia no mar infinito de games indie. A abstração e a falta provenientes de um modelo gráfico cheio de lacunas fazem com que estas sejam preenchidas pelo nosso cérebro, pela nossa imaginação. E sabemos o quão longe ela pode ir. Já foi dito que nada pode ser visual ou sonoramente tão assustador quanto aquilo que nossa cabeça consegue formular. E o melhor de tudo é que o jogo está disponível para download gratuito na plataforma Steam, algo de que Jon se arrepende parcialmente.

“Foi meu primeiro projeto como desenvolvedor de jogos, então na época não tinha certeza se era bom o bastante para ser um produto pago. Olhando para trás, queria ter ganhando mais dinheiro com ele… mas não teria tido o alcance que teve se não fosse grátis”, pondera Jon.

Já é sabido que Concluse 2 está em desenvolvimento, inclusive com uma demo disponível, e Jon me disse que ele será três vezes maior do que o primeiro e desta vez teremos combate e ainda mais elementos de aventura. “Mas ainda há muitas partes sem combate em que você explora lugares escuros sozinho e resolve puzzles”, emenda Jon, algo que fizemos bastante no primeiro capítulo.

“Esperamos que o combate torne as coisas mais tensas… mas também pode acrescentar uma nova camada de medo para que o jogador não se sinta sempre seguro”. E quanto a um possível terceiro capítulo, Jon? “Eu o tenho todo planejado na minha cabeça… porém não posso dizer muito sem dar spoilers sobre o que acontece em Concluse 2”.

Haunted House: o Survival Horror do Atari 2600

Por Gustavo Hitzschky

A edição 164 da revista britânica Retro Gamer traz na capa o jogo que pela primeira vez usou o termo “Survival Horror”. A caixa de Biohazard contém na parte da frente o famigerado gênero que logo ganharia ecos em Silent Hill, Eternal Darkness, Amnesia e similares — além disso, a própria tela de loading de Resident Evil exibia a frase: Você entrou mais uma vez no mundo do Survival Horror. Em reportagem sobre a famosa série da Capcom, Nick Thorpe cita Haunted House, do Atari 2600, como um dos jogos que já apresentavam elementos do gênero antes que ele fosse batizado.

Dada a minha predileção pela franquia da Capcom, sobretudo no que diz respeito aos capítulos iniciais da saga, tratei de ir atrás de Haunted House. E qual não foi a minha surpresa ao constatar que, mesmo com a evidente limitação de hardware, HH é extremamente bacana — se é um exagero dizer que senti medo, ao menos é possível afirmar que o jogo causa, sim, certo nível de tensão.

Haunted House foi lançado em 1982. Há, porém, uma confusão quanto ao ano porque a parte de trás da caixa do jogo estampa 1981 — data do copyright, mas não do lançamento. O grande responsável por ele é James Andreasen, creditado como diretor, designer e programador de HH (creditado não dentro do jogo, já que a Atari tinha o péssimo hábito de não incluir em seus games os nomes dos integrantes da equipe de produção). Infelizmente, pelo que pude apurar, não há nenhum registro de entrevista com ele, e tampouco o encontrei em redes sociais. Andreasen também participou da produção de RealSports Baseball, igualmente de 1982.

A escassez de recursos, além de ser traduzida na simplicidade de aspectos técnicos de Haunted House, fazia com que, para uma melhor compreensão daquilo que acontece no jogo, a Atari tivesse que se virar para explicar o enredo e o que se deve realizar no game. E aí entrava o manual. Olhando sob o ponto de vista atual, me parece extremamente genial que detalhes da trama e da jogabilidade fossem colocados no hoje esquecido manual do jogo, uma vez que tal nível de detalhamento não seria possível de se incluir (por meio de textos, falas etc.). Evidentemente, à época tal prática era bastante comum e não continha nada de visionário.

Haunted House | Retro Gamer

Morcegos-vampiros, tarântulas cabeludas e o fantasma do velho Graves: eis a trinca infernal com que você vai se deparar ao longo de nove fases

A ação se desenrola na cidade de Spirit Bay, a Baía dos Espíritos, onde o velho Zachary Graves vivia recluso numa mansão. Personagem não muito benquisto pelos citadinos, supostamente Graves conhecia o paradeiro de uma antiga urna pertencente à primeira família do local, que havia morado naquela mansão. Durante um terremoto em 1890, a urna teria se quebrado em várias partes.

Com a morte do velho Graves, o casarão foi trancado e até hoje ninguém teve a coragem de entrar lá para procurar a urna despedaçada. Até porque há relatos de vizinhos que dão conta de que o fantasma de Graves é visto perambulando por ali, além da presença de sons estranhos, luzes piscando, ruídos de passos etc. Diz-se que existe uma chave-mestra capaz de destrancar todos os cômodos da casa. Pode-se encontrar ainda um cetro antigo que Graves levava para cima e para baixo, caminhando pelos vinte e quatro cômodos distribuídos em quatro andares em sua morada, a fim de se proteger contra espíritos malignos. E eis o penúltimo parágrafo do primeiro capítulo do manual.

Agora que você conhece a história, a Atari vai destrancar a porta da Casa Mal-Assombrada [nome do jogo no Brasil] e deixar você testar sua coragem. Você ousa entrar na mansão velha e assustadora? Se sim, lembre-se de levar fósforos; a Casa Mal-Assombrada é muito escura.

Confesso que comecei a jogar sem ter lido o manual e não entendi quase nada daquilo que ia acontecendo e coletando pelo caminho. Bastou ler esse primeiro capítulo que tudo se esclareceu — além de a jogatina ter ficado muito mais interessante com todos esses ricos detalhes. O objetivo é coletar as três peças da urna e voltar à entrada da mansão para passar de fase (9 no total). Dependendo do estágio, encontramos portas trancadas, que podem ser abertas com a chave-mestra. O cetro serve para tornar o personagem que controlamos — que não tem nome e é representado pelo avatar de um par de olhos — invisível aos inimigos. E por falar neles, temos o fantasma do velho Graves, tarântulas e morcegos. A quantidade de oponentes varia de acordo com a fase — porém o fantasma é sempre único, e nos dois últimos níveis ele é imune ao poder do cetro.

Muito antes dos jogos de terror de sobrevivência que nos obrigavam a gerir com inteligência os itens que carregamos no menu, por conta da falta de espaço, tivemos Haunted House. Só se pode levar um objeto por vez — os fósforos que precisamos acender para encontrar os itens não contam (como se fossem o lockpick da Jill em RE1) e são infinitos. A dificuldade, sobretudo nos estágios mais avançados, é localizar as peças da urna ao mesmo tempo em que desviamos de uma série de ameaças. Se porventura estamos carregando o cetro e precisamos ou da chave-mestra para abrir uma porta ou pegar uma parte da urna, então temos que nos livrar do cetro; se estamos com a chave-mestra e queremos carregar o cetro, o dilema se mantém; se estamos com um pedaço da urna e encontramos outro, o artefato vai sendo acoplado automaticamente.

As salas e os andares da mansão se conectam por meio de corredores, portas e escadarias. E é essencial dominar o layout da casa a fim de sobreviver e saber que, por exemplo, no quarto andar, a sala no topo à esquerda conduz ao terceiro piso, onde, no cômodo central à esquerda, a escadaria leva ao segundo andar, e assim por diante (o manual traz o mapa dos quatro andares, mas preferi eu mesmo desenhá-los). Como o próprio manual aponta, nem é preciso pegar a chave-mestra para triunfar: uma estratégia possível é visitar todas as salas da mansão através do caminho em que as portas estão abertas, memorizar essa rota e lembrar-se de onde estão as peças da urna. Minha sugestão é achar o cetro e explorar a mansão com calma, anotando onde está o antigo artefato. Menciono ainda que a distribuição dos itens pelo cenário é aleatória a cada jogatina, o que contribui demais para o fator replay.

A primeira fase de Haunted House funciona como uma espécie de tutorial. Quase não há dificuldades aqui: as luzes da mansão estão acesas e não há nenhuma porta trancada. A partir da segunda tela, o breu prevalece e paulatinamente a coisa vai ficando mais tensa, com cômodos que só podem ser abertos com a chave-mestra e cada vez mais oponentes.

Anteriormente tratei de modo passageiro sobre os fósforos. Como disse, o estoque é ilimitado. Entretanto, a fim de coletar qualquer item, é necessário que um fósforo esteja aceso — do contrário, não é possível identificá-lo e pegá-lo no cenário (ainda que saibamos que ele está lá). Quando algum inimigo está no mesmo cômodo do nosso personagem, o pequeno feixe de luz se apaga e só se pode acendê-lo ao fugir para uma sala que esteja livre das criaturas.

O surgimento dos perseguidores não teria uma carga dramática tão elevada não fossem as alterações que provocam. Ademais de anularem os fósforos, a presença dos adversários faz rugir um barulho de vento acompanhado de raios e trovões, o que faz com que possamos ver o contorno dos ambientes. A coisa só volta ao normal quando o par de olhos despista os inimigos. Aliás, caso eles toquem o personagem, este fica morto de medo e perde-se uma das nove vidas disponíveis. Cabe lembrar que desde o princípio dá para ir direto para a última fase (o que definitivamente não recomendo), e assim que se passa de fase voltamos a ter nove vidas na seguinte.

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Só a primeira fase tem as luzes acesas; nas demais, é isso o que se vê

A parte sonora merece destaque. Durante a aventura, podemos ouvir os passos do nosso personagem, e é possível saber se estamos diante de uma parede ou de uma porta trancada por meio do som provocado pelo contato com o cenário. Escutam-se o abrir e fechar das portas. As escadas que conectam os andares indicam se ao cruzá-las iremos subir ou descer. Há a evidência visual e a sonora (esta segunda, pra mim, genial): se for uma escada que leva a um andar superior, o primeiro degrau será mais fino do que o segundo, e o som produzido varia de notas graves para agudas; se a escada conduz para um nível inferior, o primeiro degrau será mais grosso que o segundo, e as notas musicais começam agudas e se tornam mais graves.

Se ao olhar as imagens e vídeos do jogo você sente alguma dúvida de que estamos diante de um Survival Horror, me valho da lista que Christopher Buecheler escreveu no site gamespy a fim de, anacronicamente, colocá-lo como representante do gênero: tema assustador, coleta de itens, menu limitado, variedade de monstros que se comportam de modo distinto, salas inacessíveis até que se consiga uma chave, rotas alternativas para chegar a determinado lugar. Ademais, como aponta Daniel Fandino no site Journey to the (Wired) West, estamos sozinhos no escuro, temos uma fonte de iluminação de raio reduzido e um grande espaço desconhecido para explorar. Enfim, elementos não faltam naquele que, se não foi o primeiro jogo de terror da história, conseguiu reunir características do que viria a ser um dos gêneros mais celebrados dos videogames. E o fez mais de uma década antes da chegada do Resident Evil original.

Confira o manual de Haunted House


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