Por Alexei Barros
Não sou versado em cinema como meus confrades do Hadouken, mas sei que o filme Encontros e Desencontros (Lost in Translation), com Bill Murray e Scarlett Johansson, é um consenso de preferência entre os integrantes do blog. Do pouco que vi certa vez, o conflito de culturas do ocidente com o oriente é retratado de maneira muito apropriada, por vezes cômica. Essa é a impressão que tenho com as duas apresentações no Video Games Live em Tóquio nos dias 21 e 22 de setembro antes da Tokyo Game Show 2009.
Porque me causa estranheza que o menos nipônico dos espetáculos de games seja o primeiro concerto estrangeiro a realizar uma visita no Japão. Bem verdade que o VGL fez o debute de jogos japoneses como Sonic the Hedgehog e Kingdom Hearts, mas de modo geral não parece o tipo de show que agradaria os orientais.
Como não é novidade para quem visita o Hadouken desde 2006, uma das minhas maiores queixas com o VGL é a mesmice do repertório, que se é interessante para uma primeira vez se torna altamente repetitivo no decorrer dos anos, não para o público mainstream, como percebo pela calorosa empolgação que se estende pelos anos das pessoas que não se importam em ouvir sempre as mesmas músicas de novo e de novo.
Com o passar do tempo, percebi que não bastava a renovação do set list se a performance continuasse com orquestras diminutas, salvo raríssimas ocasiões, o que em parte é creditada à vontade dos organizadores do VGL alcançarem as mais longínquas cidades, não apenas as capitais que tenham orquestras grandiosas. Somado a isso, me incomodava notar como foram esparsas as ocasiões em que os compositores japoneses – as verdadeiras estrelas deste universo chamado game music –, raramente foram convidados. Nem todas os espetáculos precisam ser gigantescos, mas custava caprichar um pouco de vez em quando?
Esqueça tudo. Ou quase tudo.
Para os shows no Japão foi escalada a Tokyo New City Symphony, que possui mais de 60 instrumentistas, na companhia do coral Senzoku Gakuen College of Music Chorus, formado por 80 coristas. O local? O Tokyo International Forum (Hall A), com mais de 5000 assentos! Para completar, havia uma intérprete para a apresentação do Tommy Tallarico, que ainda fez uma entrevista ao vivo via Skype com o pai dos videogames, Ralph Baer. Isso que o Magnavox Odyssey nem tem tradição no Japão.
Apesar de o site japonês mencionar somente o Norihiko Hibino como atração especial no saxofone de “Snake Eater”, como no show em Cingapura – a propósito, não me conformo como a vinda dele para o Brasil não recebeu o merecido destaque da organização até agora –, Koji Kondo no piano e Akira Yamaoka na guitarra participaram do show. Na plateia, pelo que consegui averiguar, também estavam Yasunori Mitsuda, Takenobu Mitsuyoshi, Kow Otani, Shinji Hosoe e Yuji Takenouchi (o menos conhecido da lista que participou da trilha de Metal Gear 2: Solid Snake).
Ao final do “Castlevania Rock” ainda foram chamadas duas compositoras para subir ao palco: Michiru Yamane (no medley ela compôs somente a “Moonlight Nocturne” do Castlevania: Symphony of the Night) e Kinuyo Yamashita. Da segunda eu confesso que não me recordava quem era. O fato de ela ser pouco conhecida torna a aparição ainda mais especial. Yamashita é ninguém menos do que a criadora da trilha do primeiro Castlevania, no segmento representada pelos clássicos eternos “Vampire Killer” e “Wicked Child”, cuja autoria do trabalho é dada ao insólito pseudônimo James Banana nos créditos do jogo e Konami Kukeiha Club, o estúdio de som da produtora, na maioria dos álbuns. Demonstrando uma impressionante juventude (sua idade não é revelada) na foto, explicitada por uma minissaia, ela teve a sua carreira marcada por peculiaridades, além de ter feito músicas para Parodious, Maze of Galious, Knightmare III: Shalom e até Mega Man X3 (já na fase freelancer após sair da Konami em 1989). Em 1998, Yamashita estava jogando uma partida de tênis e sofreu uma batida na cabeça que lhe causou uma hemorragia no cérebro. Chegou a ficar em coma por uma semana no hospital, e corria sério risco de vida. Graças à segunda intervenção cirúrgica, considerada um milagroso sucesso, ela se recuperou. Yamashita passou mais uma semana em coma, despertando sem memória e com leve paralisia no lado direito do corpo, problemas que aos poucos foram superados. Incrível vê-la hoje tão esbelta, a ponto de parecer filha da Michiru Yamane! No perfil do YouTube, diz estar grata ao VGL pela oportunidade, e ainda publicou essa gravação da “Castlevania Rock” na apresentação do dia 22 (com um vestido menos diminuto desta vez).
Confesso que fiquei muito surpreso com a reação da performance. Como comentei anteriormente, o público nipônico é conhecido pela frieza nos concertos de games. A plateia até chegou a acompanhar com gritos e aplaudir efusivamente. O relato do Game Watch interessantemente compara essa reação acanhada dos nipônicos com o comportamento exacerbado (em muitos momentos irritante e injustificado, para ser franco) dos ocidentais, em especial a América do Sul (leia-se Brasil, já que é o único país do continente a ter recebido o VGL).
Falei da orquestra, dos convidados… então, o set list. Grosso modo, é o mesmo das turnês mais recentes com o quinteto intocável Mario-Zelda-Warcraft-Halo-One-Winged Angel, estranhamente desfalcado de Metroid e Mega Man e reforçado pelas estreias de Shadow of the Colossus e Silent Hill 2. Vou esperar algum vídeo do Shadow para discorrer sobre, mas o medley incluiu as músicas “Prologue ~To the Ancient Land~” e “The Opened Way ~Battle With the Colossus~”. Já o outro é uma inclusão que me incomodou um bocado como falarei em um vindouro post.
Evidente que Tallarico e Wall não perderiam a oportunidade de apresentar números com músicas criadas por eles, e os escolhidos foram Myst e Advent Rising (não seria melhor Sonic and the Black Knight, por mais que o jogo seja duvidoso?). Não considero, entretanto, os melhores exemplares de game music ocidental para exibir aos japoneses do repertório do VGL. Halo e Warcraft? Tampouco.
Por último, um fato curioso que reparei nos blogs japoneses é que a seleção de músicas do Chrono Trigger & Cross foi alterada. Se antes era “A Premonition”, “Wind Scene”, “Frog’s Theme” e “Scars of Time”, agora passou a ser “Wind Scene”, “Frog’s Theme”, “Battle With Magus” e “Scars of Time”. As três primeiras seguem a ordem do “Chrono Trigger Medley ~Orchestra Version~”. Porém, o Jack Wall continua tocando violão no tema de abertura de Chrono Cross – como se a música precisasse de dois violões para ser executada –, o que me impede de levar o segmento a sério. Mais estranho, em um vídeo do show em Augusta, que sucedeu a excursão no Japão, o medley é exatamente o mesmo de antes com “A Premonition” e sem “Battle With Magus”. Não entendo mais nada.
Ainda sobre a recepção do público, apesar de o telão ter sido bastante enfatizado nos sites, de acordo com este relato no fórum do Soundtrack Central, mencionando o blog TECNHOuchi do compositor Yuji Takenouchi, muitas produtoras forçaram o VGL a não utilizar as imagens dos jogos, a não divulgar o show com os nomes das empresas e até mesmo a não especificar as faixas que seriam tocadas. Inclusive é um problema frequente com todos os concertos pelo mundo. Mais encontros ou mais desencontros? A resposta se foi um sucesso ou não saberemos muito provavelmente ano que vem, se acontecer uma nova apresentação no Japão.
Set list:
Ato I
01 “Classic Arcade Medley”
02 “Hikari” (Kingdom Hearts)
03 Sonic the Hedgehog
04 Frogger (segmento interativo)
05 “Theme of Laura” (Silent Hill 2) [guitarra: Akira Yamaoka]
06 “Myst Medley”
07 “Final Fantasy Piano Medley” [piano: Martin Leung]
09 Shadow of the Colossus
10 The Legend of Zelda
Ato II
11 “Snake Eater” (Metal Gear Solid 3: Snake Eater) [saxofone: Norihiko Hibino]
12 “Advent Rising Suite”
13 “Warcraft Suite”
14 Super Mario Bros.
15 “Mario Piano Medley” [piano: Koji Kondo]
16 “Halo Suite”
17 Chrono Trigger & Cross
Bis
18 “One-Winged Angel” (Final Fantasy VII)
19 Super Mario Bros. ~ Tetris [piano: Martin Leung]
20 “Castlevania Rock”
Muito agradecido ao Fabão pela tradução, pesquisa e confirmação de diversas informações.
[via Famitsu, Game Watch, 4Gamer.net, Little Desk, Final Eclipse, Howling Moon e TECNHOuchi]
Ai caramba, será que o repertório daqui vai ser mais ou menos parecido?? Será que teremos Shadow of the Colossus aqui??
É altamente provável, Eric. Consideraria uma loucura ter Shadow no repertório e ignorá-lo no Brasil. Só estou achando estranho que até agora não encontrei nenhum vídeo do segmento do show em Augusta, que, como disse, aconteceu depois da turnê japonesa. Ao menos poderemos saber a resposta já nessa quarta por meio da apresentação em Belo Horizonte. :)
Mas não esperaria pelo Silent Hill 2 como a performance depende da presença do Akira Yamaoka.
Eu queria muito ir, principalmente para ver o Hibino (que só está sendo divulgado no boca a boca mesmo!). Mas, considerando que o show será numa péssima casa de shows aqui no Rio e o melhores lugares já foram vendidos (só sobrando os lugares laterais para o proletariado e os super vips para a burguesia), somado à mesmice do repertório, não devo ir esse ano!
Não me conformo como a vinda do Hibino não está sendo divulgada com uma mensagem em caixa alta no site brasileiro. A informação está escondida em um release de imprensa que a maioria das pessoas não vai baixar – claro que não, afinal é para a imprensa -, isso que antes só havia uma breve mensagem no Twitter.
Sobre a mesmice, esse mesmo release informa que 30% do repertório será novo. Deve ser Halo 3: ODST, Mega Man, Chrono, Shadow of the Colossus e Metal Gear Solid 3.
Que coisa fantástica esse Hall A. Deve ser incrível assistir a um concerto numa casa dessas.
E que pernas.